Dapi, sempre ele. O lide (primeiro parágrafo) e o último estão perfeitos, a minha cara. Quando cita J&MC então...
"Chuva
Aqui, no passado de onde escrevo, chove sem parar há quatro dias. Se aí pela sexta-feira continuar a chover assim, bem, melhor escolher um casal de cada espécie animal. A despeito dos transtornos, gosto de chuva, por ela mesma e por ser o único jeito de a temperatura baixar de verdade por estas plagas. Sou um carioca atípico, admito. Gosto de mar, mas não de calor. De samba, mas não de carnaval. De futebol, apesar de tudo.
Quanto à chuva, aprecio a sua extrema maleabilidade poética: dependendo do contexto e do talento do vate, ela pode simbolizar amor, vida, sexo, fertilidade, morte, esperança, castigo divino, o Nada e até um vértice espaço-temporal. Lembrem-se de Jorge Luis Borges, em “Llueve”: “¿En qué ayer, en qué patios de Cartago/ Cae también esta lluvia?” (Chove/ Em que ontem, em que pátios de Cartago/ Cai também esta chuva?)
Por gostar de chuva, então, ofereço-lhes esta listinha de meia dúzia de canções que, de uma forma ou de outra, foram por ela inspiradas, no intuito de também tornar o seu inverno menos intolerável. Não há nenhum critério científico nela, logicamente. Não são “as seis melhores canções contendo a palavra chuva em todos os tempos”, até porque isso não existe. É só o punhado de música que me vem à cabeça quando o Corcovado fica encoberto e os pingos d’água começam a bater com força na vidraça.
1) “Happy when it rains”, do Jesus and Mary Chain, dos versos “Você era minha chuva no dia de sol/ Você era minha nuvem no céu/ Você era o mais escuro céu/ Mas dos seus lábios saíam ouro e mel/ É por isso que eu fico feliz quando chove”. Escolha óbvia para quem quer que, nalguma noite bêbada dos anos 80, tenha desejado ter nascido em Glasgow e não no Rio de Janeiro, deus, quanta bobagem a gente pensa na vida. Está no grande álbum “Darklands” (1987), cheio de referências às chuvas eternas da Escócia, seja em “Nine million rainy days” (“Nove milhões de dias chuvosos/ Varreram meus olhos/ Pensando em você”) seja em “About you” (“Há algo morno na chuva”). Não confundir com “Only happy when it rains”, do quarteto americano Garbage, posterior.
2) “Que maravilha”, de Jorge Ben e Toquinho. Ben é o nome que está na capa do disco “Negro é lindo” (1971), é o nome do sujeito da turma de boteco do meu pai, Paula Freitas, quadra da praia. Portanto, nunca me acostumei com Ben Jor. Contudo, nunca esqueci esta gracinha arranjada por Arthur Verocai. “Lá fora está chovendo/ Mas assim mesmo/ Eu vou correndo/ Só para ver o meu amor. (...) E ela vem chegando de branco/ Meiga, pura, linda e muito tímida/ Com a chuva molhando/ Seu corpo lindo que eu vou abraçar (...) E a gente no meio da rua/ Do mundo, no meio da chuva/ A girar...” É romântico e sensual paca. Das mais belas canções de amor da língua portuguesa.
3) “The home front”, do inglês Billy Bragg. Incluída no álbum “Talking with the taxman about poetry” (1986), não fala propriamente de chuva, e sim de tédios e tensões familiares. O aguaceiro surge numa imagem forte, que apresento primeiro no original: “And when it rains here/ It rains so hard/ But never hard enough to wash away the sorrow/ I'll trade my love today for a greater love tomorrow” (E quando chove aqui/ Chove tão forte/ Mas nunca forte o bastante para lavar embora o desespero/ Vou trocar meu amor de hoje por um amor maior amanhã). Tem um clima solene, de hino religioso. Ao final, não à toa, cita “Jerusalém”, melodia de Sir Hubert Parry para o poema de William Blake.
4) “Box of rain”, do Grateful Dead. Esta música foi composta para o álbum “American beauty” (1970), quase todo acústico. Na ocasião, o pai do baixista Phil Lesh estava morrendo de câncer. O letrista da banda de São Francisco, Robert Hunter, costuma contar que, a partir de uma fita com vocalises de Lesh, “a letra se escreveu sozinha”. Apesar da motivação dolorosa e das referências à doença, o astral da música é elevado, o que apenas a torna ainda mais doce e comovente: “O que você quer que eu faça/ Faça por você para lhe amparar?/ Uma caixa de chuva vai aliviar a dor/ E o amor vai lhe amparar.”
5) “Me chama”, de Lobão. Está no LP “Ronaldo foi pra guerra” (1984), gravado pelo cantor e compositor com a banda Os Ronaldos. Isso, LP. Ou vinil, se você tiver menos de 25 anos. Contendo ainda “Corações psicodélicos” e “Tô à toa Tókio”, este álbum nunca foi lançado em CD pela BMG. Vergonha. A canção é aquela assim, claro: “Chove lá fora/ E aqui..../ Faz tanto frio/ Me dá vontade de saber/ Aonde está você/ Me telefona/ Me chama/ Me chama/ Me chama”. A versão da Marina também é bem bacana.
6) “Singin’ in the rain”. Composta por Nacio Herb Brown e Arthur Freed, esta canção quase ficou de fora do filme de 1952 que terminou por batizar. Não gosto muito de musicais, acho meio patético aquele troço de sair bailando sem mais nem menos na sala de cirurgia, no tribunal, no cemitério, mas, graças a Gene Kelly, esta cena é tão genuinamente alegre... Todo mundo sabe: “Singin’ in the rain/ Just singin’ in the rain/ What a glorious feeling/ I’m happy again/ I’m laughing at the clouds/ So dark above/ The sun is in my heart/ I’m ready for love” (Cantando na chuva/ Apenas cantando na chuva/ Que sentimento glorioso/ Estou feliz de novo/ Estou rindo das nuvens/ Tão escuras lá em cima/ O sol está no meu coração/ E estou pronto para o amor). Merece um lugar no peito de quem, ensopado e contente, saca que a chuva só tem graça porque um dia o sol reaparece"
"Chuva
Aqui, no passado de onde escrevo, chove sem parar há quatro dias. Se aí pela sexta-feira continuar a chover assim, bem, melhor escolher um casal de cada espécie animal. A despeito dos transtornos, gosto de chuva, por ela mesma e por ser o único jeito de a temperatura baixar de verdade por estas plagas. Sou um carioca atípico, admito. Gosto de mar, mas não de calor. De samba, mas não de carnaval. De futebol, apesar de tudo.
Quanto à chuva, aprecio a sua extrema maleabilidade poética: dependendo do contexto e do talento do vate, ela pode simbolizar amor, vida, sexo, fertilidade, morte, esperança, castigo divino, o Nada e até um vértice espaço-temporal. Lembrem-se de Jorge Luis Borges, em “Llueve”: “¿En qué ayer, en qué patios de Cartago/ Cae también esta lluvia?” (Chove/ Em que ontem, em que pátios de Cartago/ Cai também esta chuva?)
Por gostar de chuva, então, ofereço-lhes esta listinha de meia dúzia de canções que, de uma forma ou de outra, foram por ela inspiradas, no intuito de também tornar o seu inverno menos intolerável. Não há nenhum critério científico nela, logicamente. Não são “as seis melhores canções contendo a palavra chuva em todos os tempos”, até porque isso não existe. É só o punhado de música que me vem à cabeça quando o Corcovado fica encoberto e os pingos d’água começam a bater com força na vidraça.
1) “Happy when it rains”, do Jesus and Mary Chain, dos versos “Você era minha chuva no dia de sol/ Você era minha nuvem no céu/ Você era o mais escuro céu/ Mas dos seus lábios saíam ouro e mel/ É por isso que eu fico feliz quando chove”. Escolha óbvia para quem quer que, nalguma noite bêbada dos anos 80, tenha desejado ter nascido em Glasgow e não no Rio de Janeiro, deus, quanta bobagem a gente pensa na vida. Está no grande álbum “Darklands” (1987), cheio de referências às chuvas eternas da Escócia, seja em “Nine million rainy days” (“Nove milhões de dias chuvosos/ Varreram meus olhos/ Pensando em você”) seja em “About you” (“Há algo morno na chuva”). Não confundir com “Only happy when it rains”, do quarteto americano Garbage, posterior.
2) “Que maravilha”, de Jorge Ben e Toquinho. Ben é o nome que está na capa do disco “Negro é lindo” (1971), é o nome do sujeito da turma de boteco do meu pai, Paula Freitas, quadra da praia. Portanto, nunca me acostumei com Ben Jor. Contudo, nunca esqueci esta gracinha arranjada por Arthur Verocai. “Lá fora está chovendo/ Mas assim mesmo/ Eu vou correndo/ Só para ver o meu amor. (...) E ela vem chegando de branco/ Meiga, pura, linda e muito tímida/ Com a chuva molhando/ Seu corpo lindo que eu vou abraçar (...) E a gente no meio da rua/ Do mundo, no meio da chuva/ A girar...” É romântico e sensual paca. Das mais belas canções de amor da língua portuguesa.
3) “The home front”, do inglês Billy Bragg. Incluída no álbum “Talking with the taxman about poetry” (1986), não fala propriamente de chuva, e sim de tédios e tensões familiares. O aguaceiro surge numa imagem forte, que apresento primeiro no original: “And when it rains here/ It rains so hard/ But never hard enough to wash away the sorrow/ I'll trade my love today for a greater love tomorrow” (E quando chove aqui/ Chove tão forte/ Mas nunca forte o bastante para lavar embora o desespero/ Vou trocar meu amor de hoje por um amor maior amanhã). Tem um clima solene, de hino religioso. Ao final, não à toa, cita “Jerusalém”, melodia de Sir Hubert Parry para o poema de William Blake.
4) “Box of rain”, do Grateful Dead. Esta música foi composta para o álbum “American beauty” (1970), quase todo acústico. Na ocasião, o pai do baixista Phil Lesh estava morrendo de câncer. O letrista da banda de São Francisco, Robert Hunter, costuma contar que, a partir de uma fita com vocalises de Lesh, “a letra se escreveu sozinha”. Apesar da motivação dolorosa e das referências à doença, o astral da música é elevado, o que apenas a torna ainda mais doce e comovente: “O que você quer que eu faça/ Faça por você para lhe amparar?/ Uma caixa de chuva vai aliviar a dor/ E o amor vai lhe amparar.”
5) “Me chama”, de Lobão. Está no LP “Ronaldo foi pra guerra” (1984), gravado pelo cantor e compositor com a banda Os Ronaldos. Isso, LP. Ou vinil, se você tiver menos de 25 anos. Contendo ainda “Corações psicodélicos” e “Tô à toa Tókio”, este álbum nunca foi lançado em CD pela BMG. Vergonha. A canção é aquela assim, claro: “Chove lá fora/ E aqui..../ Faz tanto frio/ Me dá vontade de saber/ Aonde está você/ Me telefona/ Me chama/ Me chama/ Me chama”. A versão da Marina também é bem bacana.
6) “Singin’ in the rain”. Composta por Nacio Herb Brown e Arthur Freed, esta canção quase ficou de fora do filme de 1952 que terminou por batizar. Não gosto muito de musicais, acho meio patético aquele troço de sair bailando sem mais nem menos na sala de cirurgia, no tribunal, no cemitério, mas, graças a Gene Kelly, esta cena é tão genuinamente alegre... Todo mundo sabe: “Singin’ in the rain/ Just singin’ in the rain/ What a glorious feeling/ I’m happy again/ I’m laughing at the clouds/ So dark above/ The sun is in my heart/ I’m ready for love” (Cantando na chuva/ Apenas cantando na chuva/ Que sentimento glorioso/ Estou feliz de novo/ Estou rindo das nuvens/ Tão escuras lá em cima/ O sol está no meu coração/ E estou pronto para o amor). Merece um lugar no peito de quem, ensopado e contente, saca que a chuva só tem graça porque um dia o sol reaparece"
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