sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Pais e filhos
Ontem fez nove anos e eu lembrei por acaso. Não que eu tenha esquecido, não que eu não sinta. Sinto, lembro, penso, e o tempo voou, parece que foi ontem. A memória e os sonhos são sempre dos melhores tempos, como se aquela fase conturbada nunca tivesse existido. Melhor assim.

Se ela soubesse como é importante, querida, linda, foda, especial e hilariamente mal humorada, seria menos orgulhosa. Porque a dor dela também dói em mim, mas eu não transpareço indiferença. Pelo contrário. Os olhos úmidos e a cara vermelha escancaram o meu sentimentalismo imbecil.

Ah, se eles soubessem...

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Todo dia é tudo sempre igual. Terceiro ou quarto vagão, não sei ao certo, mas é a porta logo após a máquina de livros. Todos correm por um lugar, e eu sou só mais uma. Livros, jornais, alguma distração no tédio da rotina diária. Quando fica cheio demais, depois do Estácio ou da Central, fica difícil abrir o jornal, e começo a reparar nas pessoas. Muitas carinhas já são velhos conhecidos, afinal, são meses e meses naquele mesmo vagão. Uns flertam com novos amores, tá na cara que rola um clima e ninguém ainda teve coragem de chegar junto de fato. E não vai ser ali, uma pena. Mas eu acompanho mesmo assim, é a novela da vida real, o meu reality show. O casalzinho recém casado, o rapaz que gosta mais da menina que gosta de estar com ele e das mordomias que o carinho fácil traz. O outro casal aparentemente recente também, onde a menina sentimental chora pela indiferença do rapaz. Aquele outro, uma graça, tinha sumido mas reapareceu, de caso com a feiosa moderninha (recalque). E o menino que fuma, tenso, na fila. A senhora com seu fundo de garrafa, o cara casado que se refere a "patroa" com desdém e usa pochete, botinha bico fino e cabelo de sertanejo, um horror. Todos ganham apelidos, todos são lembrados diariamente e sinto falta na ausência. Fantasio o que eu não vejo, invento mentalmente diálogos e finais para os "causos" vivenciados.

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Nome repetido, o gato, o amigo, o amor, o ex-amor, o casinho. É engraçado como as vezes fatos se repetem na minha vida, nomes, cidades, bairros, curso, detalhes. Não sei o porquê, não entendo mas acho ótimo. Agito, agito, é o que preciso. A minha esperança só existe porque elas, as surpresas volta e meia surgem. Ainda bem.

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Preciso desesperadamente sentir. "Socorro, alguém me dê um coraçãoo, que esse já não bate nem apanha. Por favor, uma emoção pequena, qualquer coisa..." Preciso ter interesse em algo ou alguém, viver alguma emoção recíproca, me apaixonar loucamente a primeira vista, trocar olhares, andar de mãos dadas, esperar o telefone tocar, deixar a mão suar, o coração acelerar. Ah!

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Nada nunca é perfeito, nem esperava que fosse. Já disse isso antes, mas como o martírio é diário, a vontade é de gritar ou fazer uma camisa "eu odeio fulano". Com voz de Smurf zangado. Mala.

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A janela fechada no calor carioca denuncia o apartamento vazio. O gato toma sol e observa os transeuntes com ar blasé, indiferente. As flores vermelhas estão lá de volta, na janela. A chuva cai, depois de dias de sol e suor. Tudo diferente, tudo igual.
Trabalho, briga, orgulho, palavras ditas e repetidas em vão. Fotos, velhos chatos, blá, blá, blás, vinho branco delicioso, salgadinhos. Abraço, risadas, telefonemas. Pizza, praia, Leme, depois de tantos anos... Depois de tanta sede, água. Matou a sede, mas ainda o mesmo vazio. "Por favor, uma emoção pequena, qualquer coisa...". E, estranho, era nele que eu pensava. Nunca imaginei qualquer coisa entre a gente, mas sinto, só sinto. Sinto o quê?

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