segunda-feira, maio 03, 2004

A rotina te pega mesmo quando você foge dela. Nem sempre, não o tempo todo, mas é inevitável.
Com ela as coisas fugiam do marasmo de vez em sempre e, mesmo nem sempre tendo final feliz, pelo menos rendia boas histórias pra se contar, que nem novela, a vida su-real. E quem foi que disse que só com "happy-ends" é que é bom? Se o durante for feliz, já tá valendo. Pelo menos ela pensava assim, nos momentos de consciência. No tombo, podia até se arrepender, mas já já levantava e vivia.
Ela ia pro trabalho de metrô todos os dias, no mesmo vagão, mais ou menos a mesma hora. As pessoas eram as mesmas, e ganhavam apelidos, sendo cumprimentadas mentalmente como num ritual, já sem querer, pelo costume.
Um dia ele passou por ela e lhe pareceu familiar. Ela não conseguiu tirar os olhos, ele nem era lindo, nada, só era... era impossível não olhar pra ele. Não lembrou de onde o conhecia, e nunca mais o viu. Pensou alguns dias naquela criatura e, meses depois, o viu num ponto de ônibus - acompanhado. O encanto adormecido acabou desfalecendo de vez.
Segue a vida, metrô, metrô, metrô, trabalho todo dia. E um belo dia - tcharam! O menino passou novamente por ela. Ele olhou discretamente, e foi para o fundo. Agora era diferente, eles se viam mais, quase todos os dias da semana, e cada vez mais olhares. Meses se passaram, 3, 6, 12, nem sei mais. E era quase sempre a mesma coisa, ele olhava, passava por ela e sumia.
Eis que numa sexta-feira o ônibus estava cheio mas, já atrasada, ela resolver ir mesmo assim. Parou lá no fundão, encostou no ferro, em pé, para melhor se apoiar. Depois da discussão da noite passada com o ex, insônia, choro, e a fatídica cara inchada naquela manhã de sol. Pensou nele, desejou que aparecesse para salvar o dia, para lhe dar o prazer de um sorriso apenas, mera alegria depois de tanta tristeza. E como nas revistas romântico-cafonas de banca de jornal, ele surgiu. Olhou, riu, e subiu no veículo. Ela gelou, porque já estava bem cheio e o único lugar vago ela lá atrás, na continuação do ferro de segurança, ao lado dela. E assim aconteceu. Ele se apoiou na mesma posição, ela virou o rosto. No aperto que estava, o dedo dele encostou no seu. Ela deixou. Ele chegou mais perto, encostou mais, ela tremeu, respondeu a pergunta do homem a sua frente. Havia tido um acidente, engarrafamento, carros parados, horas ali. Mas nem parecia. A mão, gelada, trêmula, o dedo que virou mão inteira, carinho. Carinho, carinho, mais carinho. Todos os dedos dele entrelaçavam os seus, ela olhou. Ele sério, depois sorriu, ela não conseguia ficar séria, queria rir. Puxou a mão, mudou de posição. Voltou. Carros parados, horário do rush, a porta se abriu. Eles se olharam e resolveram não descer. Conversa, perguntas, respostas, a vida real. Tempos modernos, o inevitável papo de internet, troca de emails para mais conversa no programa em tempo real. Se despediram, se falaram depois, online. Aquele era o último dia dela no trabalho, se não houvesse acidente, ônibus cheio, talvez nunca se falassem. E ela lembrou de onde o conhecia. Daquele show de anos atrás, que fora sozinha. Deu até carona a ele na volta, e nunca mais se falaram. Ela sabia, ele não. E daí, o que querem dizer tantas coincidências? Nenhuma garantia, só a de que a vida é igualzinha o que se vê na tv, todos se conhecem, todos se esbarram, mais cedo ou mais tarde. E com muitos detalhes.

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