terça-feira, setembro 03, 2002

Deu no Segundo Caderno de hoje:

Viagem de volta ao mundo das canções infantis
(Bernardo Araujo)

A indústria fonográfica já conseguiu repor boa parte dos lançamentos anteriores à era do CD, mas sempre falta algo, como comprovam os colecionadores de vinil. Um dos gêneros mais mal representados no universo dos disquinhos prateados até hoje é o dos musicais e séries de televisão infantis, presentes na memória afetiva-musical de várias gerações e muito difíceis de se encontrar. Para solucionar parcialmente essa carência, o cantor Bruno Gouveia, do Biquíni Cavadão, e o produtor Luiz Carlos “Meu Bom” reuniram artistas do pop-rock brasileiro de várias gerações, cada um cantando uma música de sucesso em sua infância.
A grande sacada de “Superfantástico” (Som Livre) é exatamente essa: de quarentões como Branco Mello, dos Titãs, e Leoni, à jovem Kelly Key, passando pela banda Penélope e por Vinny, quase três décadas de musiquinhas entoadas por crianças estão representadas. E Bruno, ao lado de Meu Bom, teve o cuidado de procurar artistas de perfis diferentes, o que evita que o disco tenha o perfil de ação entre amigos que caracteriza muitos lançamentos do gênero.
Escolado por um disco de versões lançado no ano passado (“80”, de sucessos de bandas de sua geração), o próprio Biquíni abre o disco com a sacudida “O carimbador maluco (Plunct, plact, zum)”, seguido pela clássica “Superfantástico”, que reúne Penélope e Arnaldo Antunes, em um bom contraste entre a voz “menininha” de Érika Martins e o serrote vocal do ex-titã. A bonitinha Kelly Key esnoba os coroas com uma música de Xuxa, “Doce mel (bom estar com você)”, lembrando o quão recente é sua infância e mostrando que a famigerada Rainha dos Baixinhos também pode acertar no repertório. O arranjo baba (opa!)-dançante não prima pela criatividade, mas dá conta do recado e mostra — se alguém ainda duvidava — que a loirinha é boa cantora pop. A voz característica de Dinho Ouro Preto traz uma das melhores pérolas do cancioneiro infantil nacional. É difícil superar o clássico arranjo do MPB-4 para “Casa” (a de “Rua dos Bobos, número zero”), mas o Capital Inicial chega perto em sua versão roqueira, que tem a participação das filhas do cantor. Candidatíssima ao posto de melhor faixa, “Hollywood”, (do filme “Os saltimbancos trapalhões”, de 1981) traz a habitual criatividade dos Hermanos. A voz doce de Marcelo Camelo mostra o carinho do cantor pela canção, originalmente gravada por Lucinha Lins, e o arranjo, com as guitarras e teclados típicos da banda, só valoriza a (boa) melodia e a letra.
— Insisti com as bandas para que elas não tentassem soar diferentes só porque estavam gravando um disco para crianças — diz Gouveia. — A criançada vai gostar do Capital Inicial, por exemplo, se ele soar como Capital Inicial.
Curiosamente, os Hermanos mudaram um trecho da letra de “Hollywood”, onde Nova Iguaçu vira “A casa do Gugu”, numa saída politicamente correta para preservar a cidade da Baixada Fluminense.
Entre as crianças de diversas idades que formam o público-alvo do disco, as próximas dos 40 anos certamente estarão entre as mais emocionadas com algumas das faixas. O titã Branco Mello arrebenta no tema do Vigilante Rodoviário — que as gerações Xuxa e Balão Mágico nunca ouviram — enquanto Leoni se baseia em violões em uma bela versão de “Sideral”, tema do Capitão Asa, bem desencavada do fundo do baú pelo ex-baixista do Kid Abelha.
Como quase todas as canções originais, seja pela qualidade musical ou pelo lado sentimental, são boas, a maioria das faixas honra com louvor sua tarefa. Guilherme Arantes, autor de algumas das melhores canções do gênero, é um que acaba mal regravado. A versão do SNZ para “Lindo balão azul” nada acrescenta à ótima original e tampouco Jair Oliveira — que mais uma vez se recusou a lembrar o Balão Mágico — dá-se bem com “Xixi nas estrelas”. Mas são exceções num CD ótimo no conceito e na execução
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